Lideranças e especialistas se reúnem n’A Casa Sul Global para discutir como destravar recursos para clima, natureza e pessoas
No dia 12 de novembro, o diretor-geral da Fundação Grupo Volkswagen, Vitor Hugo Neia, participou do painel “Defender Direitos, Construir Novos Futuros: o Financiamento para Clima, Natureza e Pessoas em meio à Crise da Sociedade Civil Global”, realizado n’A Casa Sul Global.
O encontro, promovido pela Rede Comuá, também reuniu representantes da Fundação Avina, WINGS, GIFE, Instituto Procomum, Teia dos Povos e outras organizações para debater um dos temas mais urgentes do nosso tempo: como garantir que recursos cheguem a quem está na linha de frente da luta por direitos, clima e democracia.
Contexto
Vivemos uma emergência climática, social e política em múltiplas frentes. Ao mesmo tempo em que o planeta enfrenta recordes de temperatura e perda acelerada da biodiversidade, a sociedade civil atravessa uma baixa de financiamento sem precedentes.
O resultado é um paradoxo: os povos e grupos que mais protegem a natureza são justamente os que menos recebem apoio. Grande parte dos financiamentos internacionais e nacionais para clima e meio ambiente não chega a povos originários, negros e nem quilombolas. Seja por burocracia, por modelos coloniais de atuação ou por uma falta de compreensão sobre os saberes dos territórios.
“Não foram esses povos que criaram a crise climática, mas eles têm as soluções”, ressaltou Mestre Joelson, liderança da Teia dos Povos. Há anos ele articula movimentos de resistência nos territórios rurais e urbanos.
Sua fala denunciou práticas que ainda persistem no campo filantrópico, como teorias prontas aplicadas sobre as comunidades, uso de povos tradicionais como objeto de estudo e deslegitimação de seus próprios conhecimentos.
Segundo ele, isso precisa acabar. “Eles não são instrumentos de pesquisa. São autores”, ressaltou. Eles cuidam de florestas, rios, manguezais, campos e espécies.
Esses territórios garantem água potável, ar puro, alimentos e clima equilibrado — bens indispensáveis para toda a sociedade.
Mestre Joelson ainda defendeu a criação de um fundo próprio para que povos originários possam retomar o cuidado de seus territórios, não como beneficiários, mas como protagonistas.
Soluções baseadas na natureza, manejo tradicional de florestas, técnicas de agroecologia, uso equilibrado da água e proteção de sementes crioulas vêm de conhecimentos ancestrais e comunitários. São tecnologias sociais que funcionam há séculos e que ajudam a restaurar ecossistemas de forma sustentável.
De acordo com Graciela Hopstein, da Rede Rizomática, já existem no Brasil e no mundo fundos locais que funcionam, têm experiência e fortalecem movimentos sociais há décadas. E que filantropia independente não é apenas uma alternativa inovadora. “É uma estratégia consolidada, democrática e fundamental para apoiar grupos diversos, especialmente aqueles que enfrentam barreiras de acesso aos editais tradicionais”, afirmou.
Porque sem justiça social não existe justiça climática
A crise climática é também uma crise de direitos humanos.
Os grupos que menos contribuíram para o aquecimento global são os que mais sofrem suas consequências: falta de água, alimentos mais caros, eventos extremos, doenças e perda de territórios. Isso inclui comunidades periféricas.
“Não existe justiça ambiental sem justiça social. Temos que colocar os direitos daqueles mais impactados no centro das discussões. E, para isso, o dinheiro precisa chegar”, enfatizou Jonathas Azevedo, da Rede Comuá.
Financiar esses grupos é garantir direito à terra, à saúde, à segurança e à dignidade.
Proteger o meio ambiente custa menos do que remediar desastres
Investir na conservação sai muito mais barato do que lidar com enchentes, deslizamentos, secas, doenças, aumento do nível do mar ou perda da biodiversidade.
Ou seja, financiar a preservação é economicamente inteligente.
Além disso, quando um coletivo ou organização recebe financiamento, ele cria:
- Emprego e renda
- Formação e qualificação
- Segurança alimentar
- Fortalecimento cultural
- Autonomia política
- Impacto positivo para toda a região
Movimentos precisam de mais que dinheiro
A representante da WINGS, Erika Miller, destacou que o financiamento é apenas uma parte da equação. “Os movimentos não precisam só de dinheiro, mas de um ecossistema que os traga visibilidade e proteção.”
Segundo ela, é possível construir uma infraestrutura de confiança e colaboração que permita que os recursos circulem com mais fluidez e cheguem aonde são mais necessários. “Ecossistemas de suporte fortalecidos garantem mais autonomia, segurança e sustentabilidade para coletivos e organizações”, afirmou.
Para Pedro Bocca (GIFE), a fase de sensibilização já passou. Agora é hora de agir. “Estamos em um momento crítico. Ou a gente resolve as questões, ou não sabemos o que vai acontecer com o planeta.”
Ele defendeu que a filantropia use de fato sua flexibilidade, independência e capacidade de assumir riscos para fazer a diferença. E também amplie parcerias com organizações dos territórios, que conhecem profundamente seus contextos e necessidades. “Doar mais, fazer mais, contribuir mais. Dar um salto”, alertou.
Confiança, simplificação e proximidade
Representando a Fundação Grupo Volkswagen, Vitor Hugo Neia compartilhou mudanças significativas na forma como a instituição passou a financiar organizações sociais.
Ele explicou que a Fundação deixou de priorizar projetos próprios e iniciativas fragmentadas para adotar uma perspectiva territorial, focada em coletivos e organizações de base comunitária.
“Essa mudança exige abandonar práticas que reproduzem desigualdades, como exigir estruturas semelhantes às de empresas do terceiro setor. A filantropia com base na confiança começa dentro de casa”, disse.
Uma das transformações mais importantes foi a simplificação dos editais.
Neia destacou que, antes, com tantas documentações exigidas nos editais anteriores, “nem a própria Fundação Grupo Volkswagen passaria!”
Agora, a Fundação solicita menos documentos e, durante o apoio, ajuda organizações a se regularizarem, criando condições reais para que grupos menores e diversos possam acessar recursos.
Pela primeira vez, um perfil mais plural de organizações foi selecionado, mostrando que a mudança é possível e necessária. “Construir novos futuros significa transformar não apenas o que fazemos, mas como fazemos. E isso começa com gestos de confiança, respeito e responsabilidade”, finalizou.