Promovido pela Fundação Grupo Volkswagen, 8ª Jornada do Conhecimento propõe caminhos para uma transição justa
Imagine perder sua casa ou todos os seus móveis em uma enchente e não ter sequer a quem recorrer. Ou viver em uma comunidade ribeirinha e enfrentar escassez de água limpa, queimadas e fome sem acesso a qualquer suporte público. Ou ainda a agricultora que perde a lavoura por conta da seca e, assim, fica sem renda e sem comida em casa.
Essas são realidades concretas enfrentadas diariamente por milhares de brasileiros. E foram o centro da discussão na 8ª Jornada do Conhecimento da Fundação Grupo Volkswagen, realizada no dia 6 de outubro, na Unibes Cultural, em São Paulo.
O evento trouxe o tema “Quando a emergência ambiental expõe as urgências sociais”, unindo especialistas e lideranças para debater um dos assuntos mais críticos do nosso tempo: justiça climática. Por isso, propôs uma reflexão profunda sobre a necessidade de ações coletivas e estruturantes para enfrentar os desafios da transição ecológica em contextos de vulnerabilidade social.
“E essa transição só será justa se ninguém ficar para trás, até porque as comunidades que mais sofrem com os impactos da crise climática são justamente as que menos contribuíram para causá-la”, destacou o diretor-geral da Fundação, Vitor Hugo Neia.
Um Brasil em chamas, com o povo no olho do furacão
O primeiro painel, mediado pela jornalista Flávia Yuri Oshima, reuniu a diretora do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Ana Valéria Araújo, e o diretor da Agenda Pública, Sérgio Andrade. O debate destacou como os eventos climáticos extremos intensificam as desigualdades já existentes e comprometem o acesso a direitos básicos.
Ana Valéria citou o exemplo de moradores de regiões periféricas que enfrentam ondas de calor sem acesso a ventilação adequada, água potável ou saneamento básico. Quando vêm as chuvas, são os primeiros a serem atingidos por enchentes, deslizamentos e perdas materiais. E, em vez de apoio, encontram indiferença.
“Se antes essas populações já enfrentavam falta de infraestrutura e serviços, agora lidam com o agravamento das suas condições de vida. É uma camada de vulnerabilidade sobre outra”, enfatizou.
Já Andrade lembrou o caso de municípios do Pará onde mulheres assumem o comando de propriedades rurais enquanto os homens migram para as cidades em busca de emprego. Essas mulheres, sem acesso à internet, infraestrutura ou financiamento, tentam manter a produção agrícola viva.
“Os jovens não querem mais ficar no campo porque não veem futuro. As famílias já não conseguem mais plantar tudo o que plantavam por conta do clima, e muita coisa se perde por falta de logística básica”, relatou.
Sérgio reforçou a urgência de investir em capacidade institucional dos municípios, que muitas vezes não têm condições técnicas para acessar recursos, planejar políticas públicas ou responder a desastres ambientais. “Sem uma base econômica sólida, não há como garantir proteção social nem empregos sustentáveis”, alertou.
Soluções locais e saberes comunitários
No segundo painel, o debate girou em torno de um termo ainda pouco conhecido, mas que precisa ser amplamente discutido: racismo ambiental. Também mediado por Flávia, participaram a fundadora do Fundo Casa Socioambiental,Maria Amália Souza, e o sócio-diretor da Dendezê,Diogo Lima.
Maria Amália explicou como as comunidades negras, indígenas e ribeirinhas sofrem de forma desproporcional com a degradação ambiental. Ela deu o exemplo das brigadas indígenas femininas do Pantanal, que combatem incêndios e defendem seus territórios com as próprias mãos.
“Essas mulheres arriscam suas vidas para proteger a terra. Elas conhecem o bioma melhor do que ninguém. O problema é que os recursos quase nunca chegam até elas”, afirmou.
Lima complementou: “A crise que vivemos foi construída historicamente. Se queremos reverter, precisamos mudar as estruturas. Não adianta apenas falar em metas ambientais, é preciso olhar para quem vive nas periferias, nos quilombos, nas reservas.”
Ele lembrou que menos de 30% dos municípios brasileiros têm planos de contingência para eventos climáticos extremos, mesmo após um 2024 marcado por desastres. “Sem preparo técnico e sem ouvir quem vive os impactos, as políticas falham”, disse Diogo Lima.
COP30: uma oportunidade que não pode ser perdida
Com a proximidade da COP30, que será realizada no Brasil, os especialistas foram unânimes em afirmar que os territórios precisam ocupar esse debate.
Isso não significa apenas levar representantes para o evento. Significa garantir formações técnicas, participação popular nos conselhos, e acesso a recursos para pequenas organizações que fazem a diferença no cotidiano das comunidades.
Para Maria Amália, o futuro sustentável só será possível se os territórios forem colocados no centro. “Eles não precisam que ninguém fale por eles. Precisam apenas que o sistema pare de ignorá-los.”
O que precisa ser feito?
As falas dos especialistas apontaram caminhos para uma transição justa e efetiva:
- Apoiar financeiramente e tecnicamente municípios frágeis, para que consigam se planejar e acessar recursos;
- Diversificar economias locais, reduzindo a dependência de atividades de alto impacto ambiental;
- Garantir participação popular nos conselhos e fóruns de decisão;
- Investir em formação técnica e educação para preparar as próximas gerações para os empregos verdes;
- Reconhecer e apoiar soluções baseadas na cultura e saberes tradicionais, especialmente de povos indígenas e comunidades quilombolas.
Mobilidade social e transição justa: o papel da Fundação
No encerramento do evento, Vitor Hugo Neia reforçou que a Fundação Grupo Volkswagen seguirá unindo forças com poder público, empresas e a sociedade civil para garantir uma transição ecológica com inclusão produtiva e fortalecimento dos territórios.
“A COP30 precisa marcar o início de uma nova era de cooperação. Só vamos construir um futuro sustentável se ele também for justo”, concluiu.












