O Brasil é um dos recordistas mundiais em óbitos causados por acidentes de trânsito. Segundo dados do Ministério da Saúde, o País registrou mais de 35 mil mortes somente em 2017, sobretudo na faixa etária de 20 a 39 anos. Desse total, cerca de 40% das vítimas foram motociclistas, 30% condutores ou passageiros de automóveis e 22% pedestres. Além das vidas perdidas, estima-se um impacto de R$ 40 bilhões para a economia brasileira, entre despesas de saúde e seguridade social, por exemplo. Outras milhares de pessoas ficaram feridas, muitas delas passando a ter algum tipo de deficiência.
Em âmbito internacional, esses números também são preocupantes. Em 2008, a Organização Mundial de Saúde (OMS) projetou que, se nada fosse feito, os acidentes de trânsito seriam a quinta causa de morte no ano de 2030, à frente de doenças como a AIDS, a tuberculose e diversos tipos de câncer. Para tentar reverter esse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou, em 2011, a Década de Ação para Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir em 50% as mortes em decorrência de acidentes viários até 2020. Posteriormente, essa meta foi incluída entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Outra iniciativa foi a criação do Maio Amarelo, voltado à conscientização sobre segurança no trânsito.
No Brasil, também há muitas ações em andamento, com destaque para a chamada Lei Seca, que passou a tratar com mais rigor motoristas que dirigem após consumir bebidas alcoólicas. No Estado de São Paulo, por exemplo, o Movimento Paulista de Segurança no Trânsito também contribuiu para preservar, desde 2015, mais de 600 vidas. Para falar dessas e de outras questões, a coluna Conversa Social da Fundação Volkswagen entrevistou, no encerramento do Maio Amarelo, Mauro Voltarelli, Gerente de Educação para o Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (DETRAN-SP).
Leia, abaixo, a entrevista na íntegra:
Fundação Volkswagen: Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou mais de 35 mil mortes no trânsito em 2017, um dos índices mais altos do mundo. Quais os principais desafios para que o País reverta essa realidade?
Mauro Voltarelli: O alto número de óbitos no trânsito brasileiro é uma triste realidade, ainda que São Paulo esteja entre os Estados com menores índices no País. O Brasil tem grandes proporções, com realidades e culturas distintas. Por isso, é indispensável que a segurança no trânsito se torne prioridade nacional e congregue poder público, sociedade civil e iniciativa privada em torno de um plano para um trânsito mais seguro. Países como Dinamarca, Espanha, Suécia, Austrália e Japão reduziram seus índices, justamente, a partir de projetos nacionais, com metas e atuação permanentes.
Um dos principais desafios para que o Brasil reverta esse quadro é um trabalho harmônico e centralizado, que combine as três pilastras da segurança viária: sinalização (vertical e horizontal), educação e fiscalização. Outro fator importantíssimo que deve ser trabalhado é o comportamental. Segundo os dados mais recentes, 94% dos óbitos são causados por falha humana. Dessa forma, é preciso conhecer o contexto, entender o ambiente do trânsito.
Temos que deixar claro ao cidadão e à cidadã comuns sua relevância, para que respeitem a vida, para que respeitem sua vida e mudem seu comportamento. Esse é o passo principal para a redução das mortes. Portanto, precisamos de um conjunto de ações articuladas que envolvam investimentos em educação, criação de banco de dados unificado de acidentes, fiscalização, sinalização, engenharia de tráfego, melhoria das vias e atualização da legislação, incorporando as mudanças tecnológicas e culturais, entre outras medidas. Assim, conseguiremos vencer esse desafio.
FVW: Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, 32% dos óbitos no trânsito, em 2017, ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos. Por que os jovens estão entre as maiores vítimas de acidentes viários no Brasil?
MV: Esse não é um dado estatístico exclusivo do Brasil, não é uma realidade somente nossa. No Estado de São Paulo, mais de um quarto dos óbitos no trânsito (cerca de 26%) são de pessoas de 15 a 29 anos. Quais os motivos? Especialistas apontam a falta de prática, por exemplo. Outra razão: o celular, que está muito atual na vida do jovem. Abrir uma rede social equivale a dirigir por 100 metros de olhos vendados. Então, essa é uma prática terrível e real. Há também a bebida. Essa combinação de bebida e celular mata.
Outro fator é o excesso de velocidade e atitudes imprudentes. Os jovens, por si só, se testam. Essa é uma característica da juventude. Só que não se teste no trânsito! Isso é como uma roleta-russa com o carro e a consequência não será boa nem para você nem para as pessoas do entorno.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é relativamente novo, tem apenas 20 anos, ou seja, ainda precisamos amadurecer nessa área, dando a devida atenção a todas as faixas etárias. Nesse sentido, a educação é essencial. Desde os 6 anos de idade, o DETRAN-SP começa a trabalhar com as crianças, para que, quando elas chegarem a essa faixa etária tão vulnerável, elas saiam dessa estatística tão terrível. Além disso, atuamos junto ao público que já está no trânsito, as pessoas que estão matando e se matando.
Para isso, usamos as mídias sociais, a tecnologia, de uma forma mais abrasiva, para que eles se sintam impactados e se entendam no contexto da sua responsabilidade, porque eles são responsáveis, eles fazem parte do trânsito. Em resumo, simples mudanças de comportamento ajudam a preservar muitas vidas. Não dirigir depois de beber, não usar o celular ao volante, respeitar os limites de velocidade e não fazer ultrapassagens perigosas são exemplos.
FVW: Em 2011, a Organização das Nações Unidas decretou a Década de Ação para Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir pela metade, até 2020, o número de mortes por acidentes. O Maio Amarelo, por exemplo, surgiu dessa iniciativa. Que outras conquistas merecem destaque nos últimos anos?
MV: Há alguns anos, tanto em nível nacional quanto estadual, estamos dedicados a reduzir o número de óbitos no trânsito brasileiro. Além das datas comemorativas, quando a atenção de toda a população fica voltada para o tema (Maio Amarelo, Dia Mundial em Memória às Vítimas de Trânsito, Semana Nacional de Trânsito), há outros marcos que merecem destaque.
O primeiro deles é a chamada Lei Seca, que tipificou beber e dirigir como crime. A mudança mais recente, de abril de 2018, aumentou as penas mínimas e máximas para motoristas embriagados que causam acidentes com mortes ou lesões graves ou gravíssimas. Agora, a arbitrariedade da fiança é restrita ao juiz. O delegado não pode decretar essa medida cautelar.
Em São Paulo, no ano passado, as autuações de condutores embriagados caíram ao menor nível desde 2013, quando a fiscalização da Lei Seca foi intensificada por meio do Programa Direção Segura, coordenado pelo DETRAN. Em 2018, foi registrada uma autuação para cada 19 veículos fiscalizados; em 2013, era uma autuação para cada 10 automóveis.
Também se destaca no Estado de São Paulo, como outro marco muito importante, o Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, que desde 2015 contribui para o empoderamento dos municípios através do repasse de verbas de multas do DETRAN-SP. O programa uniu diversos segmentos, desenvolveu ferramenta de análise de dados, mapeou pontos críticos com altos índices de acidentes e promoveu ações que resultaram na queda de mortes por acidentes viários. Isso vem mostrando resultado. Se compararmos o 1º trimestre de 2015 ao 1º trimestre de 2019, o número de óbitos caiu mais de 25%.
FVW: Além da fiscalização e da formação de condutores, o DETRAN realiza ações para conscientizar a população sobre o trânsito. Como a educação contribui para tornar a mobilidade urbana mais segura?
MV: A educação é um fator preponderante para salvar vidas. Você educando, você conscientiza. Você conscientizando o motorista, o pedestre ou o motociclista, ele muda o comportamento. E mudando o comportamento, os índices de mortos e feridos vão cair. O DETRAN-SP, junto com parceiros da sociedade civil como a Fundação Volkswagen, vem formando multiplicadores para que a educação contribua para a redução do número de acidentes viários.
Investimos permanentemente em educação para o trânsito por meio de diversas ações, entre elas campanhas, programas, parcerias, formação, reciclagem e disseminação de informação. Conectado às tecnologias e às novas ferramentas, atuamos de forma ativa nas redes sociais com a promoção de educação para o trânsito, com destaque especial à #BlitzDoBem, ação educativa envolvendo celebridades que ganhou prêmio internacional na área de comunicação em 2016.
Como integrante do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, temos ampliado parcerias com municípios. Desde 2016, foram assinados convênios com 104 prefeituras para repassar R$ 110,5 milhões provenientes de multas para melhorias em infraestrutura, sinalização e programas de educação. No total, esses convênios beneficiam 70% da população paulista.
Educação não tem idade. Trabalhamos o ano todo e realizamos programas perenes, que vão desde as escolas até os asilos. Além de resultar em um trânsito mais solidário, promover a educação para o trânsito imprime notório impacto na redução do número de mortes e sequelas por acidentes. A conscientização leva à mudança de comportamento.
Confira os melhores momentos da entrevista no vídeo abaixo. A versão com audiodescrição está disponível no canal do YouTube.