Conversa Social: “Antes de qualquer coisa, as pessoas com deficiência são pessoas!”

No mês em que celebramos o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, entrevistamos Simone Freire, do Movimento Web para Todos

Não há dúvidas de que o mundo está vivendo na era digital. A tecnologia e as ferramentas que a Web disponibiliza são essenciais para as rotinas diárias, desde a organização pessoal, deslocamento, trabalho e estudo até os relacionamentos. Por meio delas, é possível viajar pelo mundo, encurtar distâncias, comprar e vender, aprender e ensinar, tudo em um só clique! As possibilidades são infinitas; tanto que, às vezes, é difícil imaginar a vida sem isso.

Porém, esse universo de possibilidades é inalcançável para muita gente, uma vez que a Internet está longe de ser um ambiente 100% acessível. Existem barreiras que dificultam a navegação, compreensão e interação de leigos, analfabetos, pessoas com deficiência, entre outros. Considerando que mais de 1 bilhão de indivíduos no planeta vivem com algum tipo de deficiência, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), é necessário voltar a atenção para o tema. No Brasil, 25% da população faz parte desse grupo.

No mês do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro, a Fundação Volkswagen coloca a acessibilidade digital em pauta. É uma oportunidade de aprofundar o compromisso da instituição com a inclusão de todos os cidadãos, por meio do acesso à informação, educação, cultura e tudo o que esse mundo de possibilidades digitais tem a oferecer, de forma equitativa para todos.

Para falar sobre acessibilidade digital e outras questões relacionadas à inclusão de pessoas com deficiência, que é uma das causas abraçadas pela Fundação Volkswagen, a coluna Conversa Social entrevistou a jornalista Simone Freire, idealizadora do Movimento Web Para Todos.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Fundação Volkswagen: O Movimento Web Para Todos tem o objetivo de contribuir para transformar a Web brasileira em um ambiente inclusivo. Essa missão é ainda mais urgente em um mundo no qual a vida sem Internet parece quase impossível. Como surgiu o MWPT e de que forma vocês atuam em prol da acessibilidade digital?

Simone Freire: O Movimento surgiu há 2 anos, quando eu participei de um programa internacional de empoderamento de mulheres empreendedoras ao redor do mundo. Esse programa tinha como missão fazer com que essas empreendedoras potencializassem a sua capacidade de transformação social em seus países.

Eu trabalho com acessibilidade digital (que é preparar toda a comunicação digital para ser acessada por pessoas com deficiência) há mais de 10 anos, e vinha atuando muito pontualmente com nossos clientes. E esse projeto de potencializar todo o impacto que nós vínhamos gerando resultou na criação do Movimento.

Então, eu me reuni com mais de 20 organizações, que já eram parceiras, e apresentei o projeto, para criarmos essa rede de fomento à cultura de acessibilidade no Brasil, porque a gente tem um quarto da população brasileira com algum tipo de deficiência, seja ela severa ou mais branda, e que precisa da tecnologia, inclusive muito mais do que quem não tem deficiência, para interagir, para poder se relacionar, estudar, comprar, e hoje temos um cenário muito grave aqui no País.

O Movimento nasce com esse propósito, para falar sobre isso, trazer essa temática, capacitar os profissionais que trabalham com Marketing Digital, para que realmente a gente acelere essa transformação.

FVW: O MWPT revelou em estudo recente que 99,4% dos sites brasileiros apresentam barreiras de navegação para pessoas com deficiência. Poderia explicar que tipo de barreiras são essas e como podemos reverter esse quadro alarmante?

SF: Divulgamos recentemente um estudo sobre a situação dos sites brasileiros em relação à acessibilidade para pessoas com deficiência. Ele foi realizado com o W3C e com a BigDataCorp. O resultado foi alarmante: dos 24 milhões de sites que existem na Web brasileira, detectamos – por meio de robôs desenvolvidos nessa parceria – que 14 milhões estão ativos. Desses, menos de 1% estava preparado para receber a visitação de pessoas com deficiência. Ou seja, temos milhões de brasileiros precisando cada vez mais da tecnologia para interagir e exercer sua cidadania, e menos de 1% dos sites prontos para eles. Quando trazemos o recorte para os sites do governo, somente 0,34% passaram nos testes de acessibilidade. É realmente uma situação que precisa ser revertida!

Sobre as barreiras encontradas, são principalmente sites sem descrição de imagem. Isso é muito importante para a navegação das pessoas com deficiência visual, que utilizam leitores de tela que narram para elas tudo que está sendo visualizado. Se não nos preocupamos em colocar essa descrição, o que retorna para a pessoa com deficiência visual são apenas números e palavras sem sentido.

Há erros também em formulários. Hoje, praticamente tudo o que fazemos na Web envolve um formulário: pedir informações, consultar um horário de voo, participar de uma promoção, adquirir um produto, reservar uma peça de teatro… E mais de 50% dos sites falharam nos testes de formulário ou apresentaram barreiras de inserção de dados para pessoas com deficiência. É um cenário bem alarmante e o Movimento faz esse papel de trazer a informação para a sociedade, a fim de acompanhar e cobrar essa mudança por parte das empresas.

FVW: Além do impacto social, a falta de acessibilidade digital prejudica diretamente a economia do Brasil, uma vez que milhões de brasileiros estão impedidos de consumir por meio da Internet. Qual o papel das marcas para fazer da Web um ambiente inclusivo?

SF: A questão da acessibilidade digital é muito importante não só para as grandes marcas, mas para qualquer marca que queira se comunicar pelo mundo digital, porque, antes de qualquer coisa, as pessoas com deficiência são pessoas! São brasileiros que, assim como qualquer cidadão, têm interesse em buscar informação, se divertir, consumir, estudar pela Internet. A partir do momento em que uma marca está com suas portas fechadas para esse público no ambiente digital, podemos imaginar a quantidade de oportunidades que ela está perdendo por não se comunicar.

Vemos muitas marcas brigando por fatias de mercado já desgastadas, com cada vez menos pessoas entrando naquele segmento, enquanto temos um mar de oportunidades com milhões de brasileiros que estão excluídos dessa comunicação. Então, a acessibilidade digital é excelente para os negócios e, quem se atentar a isso a partir de agora, terá uma grande oportunidade pela frente nos próximos anos!

FVW: A Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), tornou obrigatória a acessibilidade dos sites mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País e por órgãos do governo. Em termos de políticas públicas, o Brasil tem conseguido avançar nesse tema?

SF: A LBI foi uma conquista muito grande para os brasileiros com algum tipo de deficiência. A Lei está em vigor desde janeiro de 2016 e, especificamente para nós que trabalhamos com acessibilidade digital, é muito importante. O artigo 63, por exemplo, obriga empresas, organizações do terceiro setor e governo a terem suas páginas acessíveis para pessoas com deficiência.

Evoluímos bastante nesse sentido. Como Movimento, estamos sendo procurados por muitas empresas e organizações que buscam entender o que precisam fazer. A única questão é que ela não traz a definição de multa. Isso, para nós que trabalhamos com o mundo corporativo, é bem delicado. As empresas priorizam o que traz multa, o que dói no bolso. E, como a LBI não tem esse caráter punitivo, com definição de multa, ainda temos um caminho grande a percorrer para a conscientização. Mas, sem dúvida nenhuma, nós temos evoluído nesses últimos dois anos.

FVW: O portal do MWPT disponibiliza conteúdos educativos e informativos sobre acessibilidade digital e um canal para que usuários relatem suas experiências com a acessibilidade de um site. Como o engajamento da sociedade civil e a educação contribuem com essa causa?

SF: O MWPT é uma plataforma que nasceu com o objetivo de fazer pontes entre as empresas, os profissionais, as instituições de ensino e as pessoas com deficiência. Nela, nós temos uma série de ferramentas e recursos que podem ser consumidos gratuitamente por toda a comunidade. Vemos essa troca como algo muito importante! Temos experiências compartilhadas pelas pessoas com deficiência, produtores de vídeo que querem levar o olhar inclusivo para a comunicação e profissionais da área de educação enviando artigos e aproximando a acessibilidade das escolas.

Um dos pilares do Movimento é a educação. Acreditamos que, somente quando tivermos uma comunidade de profissionais de Marketing Digital capacitada para lidar com isso, conseguiremos acelerar essa transformação digital e tornar a Web um ambiente mais inclusivo para todo mundo!

Confira os melhores momentos da entrevista no vídeo abaixo. A versão com audiodescrição está disponível no canal do YouTube.