A Fundação Grupo Volkswagen, em parceria com a Artemisia e apoio técnico do Instituto Veredas, lançou a “Tese de Impacto pela Mobilidade Social: Caminhos de atuação dos negócios de impacto para a prosperidade socioeconômica no Brasil”. O estudo inédito mapeia os principais desafios da mobilidade social no país e destaca como negócios de impacto podem impulsionar soluções para reduzir desigualdades e ampliar oportunidades.
Após 45 anos de atuação, a Fundação Grupo Volkswagen consolidou a mobilidade social como sua causa prioritária. Segundo o diretor-geral da instituição, Vitor Hugo Neia, a decisão reflete o compromisso em aprofundar o debate sobre desigualdade e impulsionar soluções concretas para transformar essa realidade. “A tese é um marco dessa estratégia. Ela traz um olhar aprofundado sobre as travas e alavancas que influenciam a ascensão socioeconômica no Brasil”, afirma.
Embora seja um tema central no combate à desigualdade, a mobilidade social ainda é pouco compreendida no Brasil. O estudo reforça que a ascensão socioeconômica não depende apenas da educação, mas de um conjunto de fatores interligados, como renda, estabilidade no mercado de trabalho, acesso à saúde e redução dos riscos de retorno à pobreza. Esse olhar sistêmico é fundamental para que políticas públicas, negócios de impacto e organizações sociais possam gerar mudanças estruturais.
O que é Mobilidade Social?
Mobilidade social refere-se à capacidade de indivíduos ou grupos mudarem de posição socioeconômica dentro da sociedade ao longo do tempo. Essa mudança pode ocorrer por meio do acesso à educação de qualidade, oportunidades de emprego, empreendedorismo, inclusão financeira e estabilidade econômica.
Em todo o mundo, famílias almejam melhores condições para seus filhos, enquanto indivíduos buscam ascender economicamente ao longo da vida. Em uma sociedade com mobilidade social plena, qualquer pessoa, independente da sua origem, poderia alcançar uma determinada posição social.
No entanto, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um descendente de brasileiros entre os 10% mais pobres levaria até nove gerações para atingir a média de rendimento do país. Ou seja: as pessoas que estão na base da pirâmide demorariam mais de 150 anos para chegar à classe média.
Esse dado evidencia o quanto a mobilidade social no Brasil é lenta e como as barreiras estruturais dificultam essa ascensão. Tal realidade traz uma série de impactos negativos e sistêmicos, tanto na esfera individual quanto coletiva.
A renda não é o único critério para definir o nível de pobreza de um indivíduo ou grupo. Ela inclui a privação de necessidades básicas, que é quando o cidadão não tem acesso e nem opção de escolha de algo primordial para a sua vida.
As desigualdades sociais já ao nascer
Muitas desigualdades devem ser levadas em conta quando pensamos nos impactos da origem e da configuração familiar no nascimento.
- Falta de oportunidades educacionais: Dificuldade de acesso a uma educação de qualidade desde a primeira infância, com altas taxas de evasão escolar no ensino médio. A falta de acesso à educação superior agrava ainda mais essa desigualdade. Além disso, a qualidade do ensino é extremamente desigual entre as classes sociais. Isso afeta as oportunidades futuras de crianças e jovens. A tese ainda aborda como a violência e a falta de transporte levam famílias a tomarem decisões educacionais baseadas na logística. Escolas mais próximas e modais de menor custo são a principal escolha para a população de menor renda.
- Desigualdades na saúde: A dificuldade de acesso a hospitais e postos de saúde, especialmente em áreas periféricas, é um desafio crítico. Isso afeta pré-natal, acompanhamento infantil e saúde mental, impactando o desenvolvimento e a capacidade de aprendizado das crianças. É um problema que se estende pela vida toda, na maioria das vezes.
- Desigualdade de gênero e raça: Mulheres negras são as mais afetadas pela pobreza e têm menos oportunidades de ascensão social, devido à discriminação racial e de gênero no mercado de trabalho.
- Desemprego e trabalho informal: A população mais pobre enfrenta maiores dificuldades para conseguir empregos formais e bem remunerados. Por isso, recorrem frequentemente ao trabalho informal, que oferece menor segurança e oportunidades de crescimento.
- Falta de acesso a serviços essenciais: Deficiência no acesso a saneamento básico, moradia digna, transporte público de qualidade e outros serviços essenciais, que afetam a qualidade de vida e a capacidade de ascensão social.
- Desigualdade de renda e baixa inclusão financeira: A dificuldade no acesso à rede bancária é uma das principais razões para a não bancarização da população, especialmente a de baixa renda. Os correspondentes bancários ajudam na inclusão financeira, mas não suprem todas as dificuldades. Além disso, sem acesso a crédito ou instrumentos financeiros adequados, muitos empreendedores de baixa renda deixam de expandir seus negócios. Outro ponto é a alta concentração de renda que, no Brasil dificulta o acesso da população mais pobre a bens e serviços, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão social.
- Discriminação e preconceito: A discriminação racial e social dificulta o acesso da população mais pobre a empregos, educação e outros serviços, limitando suas oportunidades de ascensão social, assim como as desigualdades territoriais.
- Desigualdade digital: Apenas 23% da moradias das classes D e E possuem acesso à internet, se comparado com 98% da classe A, evidenciando a disparidade no acesso à mobilidade social. O acesso limitado à tecnologia restringe as possibilidades de crescimento profissional e econômico.
- Falta de políticas públicas eficazes: Sem um planejamento estruturado, a desigualdade persiste e se perpetua.
Segundo dados do IBGE, 75% das famílias brasileiras pertencem às classes CDE, com rendimentos mensais de até R$ 5.724. Isso significa que a maioria da população enfrenta desafios para ascender economicamente.
As três alavancas da mobilidade social
A tese da Fundação Grupo Volkswagen propõe três eixos prioritários para impulsionar a mobilidade social:
- Educação: Fundamental para equipar indivíduos com as habilidades necessárias para melhores oportunidades no mercado de trabalho.
- Geração de renda e inclusão produtiva: Empregabilidade e empreendedorismo como ferramentas essenciais para a independência financeira.
- Inclusão financeira: Facilitar o acesso a crédito e serviços bancários para apoiar pequenos negócios e promover autonomia econômica.
O estudo analisou 120 negócios de impacto no Brasil que atuam nessas frentes. Os resultados mostraram que 41% das iniciativas focam na geração de renda, 31% na educação e 28% na inclusão financeira. Grande parte dessas soluções está concentrada na região Sudeste e utiliza a tecnologia como ferramenta para ampliar o acesso a oportunidades e reduzir desigualdades.
Por que negócios de impacto social são essenciais?
Os negócios de impacto social (NIS) são iniciativas empreendedoras que buscam, além do lucro, gerar transformação social e ambiental. No contexto da mobilidade social, eles desempenham um papel estratégico ao:
- Criar empregos e oportunidades para populações vulneráveis.
- Oferecer serviços financeiros acessíveis para pequenos empreendedores.
- Proporcionar educação de qualidade por meio de tecnologias inovadoras.
- Desenvolver soluções para melhorar o acesso à saúde e à moradia digna.
- Inovar em mobilidade urbana para reduzir desigualdades territoriais.
Para que a atuação dos negócios de impacto social seja efetiva na promoção da mobilidade social, a tese aponta algumas diretrizes essenciais:
- Conhecimento profundo do público-alvo: É fundamental que os negócios compreendam as necessidades, dores e desafios específicos das pessoas desfavorecidas que buscam atender.
- Empregabilidade: Os modelos de NIS devem estar focados em promover a mobilidade, aumentar renda e dar oportunidades de progredir na área em que atuam.
- Envolvimento da comunidade: Priorizar o engajamento e a inserção de grupos marginalizados.
- Parcerias: Amplificar seu alcance e aumentar o investimento em práticas ambientais, sociais e de governança (ESG).
Novos negócios
Novas economias oferecem um potencial significativo para impulsionar a mobilidade social, especialmente para grupos desfavorecidos. No entanto, a tese ressalta que essa transformação só se torna realidade se houver inclusão e preparo adequados para que as pessoas consigam acompanhar as mudanças.
- Economia Verde: Promove práticas sustentáveis e a utilização de tecnologias limpas e gera empregos em áreas como energia renovável, agricultura orgânica e gestão de resíduos. A inclusão nessa economia pode ocorrer por meio de programas de capacitação em energias renováveis para jovens de baixa renda ou apoio a pequenos agricultores na transição para modelos de produção orgânica.
- Economia Digital: A expansão da tecnologia e da digitalização cria inúmeras oportunidades de emprego e empreendedorismo. A inclusão produtiva nesse sentido significa capacitar jovens em programação, desenvolvimento de software e outras habilidades digitais, além de oferecer acesso a equipamentos e infraestrutura necessários.
- Economia Criativa: Este setor valoriza a cultura, o conhecimento e a criatividade na produção de bens e serviços. A inclusão pode ser promovida por meio de apoio a artistas e empreendedores criativos de comunidades periféricas, fomento a negócios que valorizem a cultura local e investimentos em infraestrutura cultural em regiões desfavorecidas.
O futuro da mobilidade social no Brasil
Para Vitor Hugo Neia é essencial que as estratégias sejam pensadas de forma a considerar não apenas os indivíduos, mas também os grupos. A mobilidade social não pode ser vista isoladamente, pois suas raízes estão nas desigualdades interseccionais que permeiam nossa sociedade.
O estudo da Fundação Grupo Volkswagen evidencia que a mobilidade social no Brasil ainda é um grande desafio, mas iniciativas inovadoras podem ser a chave para reverter esse quadro. Negócios de impacto, combinados com políticas públicas eficazes e investimentos estratégicos, podem transformar a realidade de milhões de brasileiros e construir um país mais justo e próspero.