Entre os dias 7 e 9 de maio, aconteceu em Fortaleza o 13º Congresso GIFE, o maior encontro sobre Investimento Social Privado (ISP) da América Latina. Com o tema “Desconcentrar poder, conhecimento e riquezas”, o evento foi patrocinado pela Fundação promoveu debates profundos sobre desigualdades sociais e a urgência de transformações estruturais no setor filantrópico.
Mais de mil participantes — entre especialistas, representantes de organizações da sociedade civil, lideranças comunitárias, financiadores e gestores públicos — se reuniram para discutir práticas mais eficazes e inclusivas.
No segundo dia do Congresso, a mesa “Desconcentrar para quem? Organizações negras no centro das lutas e às margens dos recursos” foi um dos destaques da programação. O diretor-geral da Fundação Grupo Volkswagen, Vitor Hugo Neia, participou do debate, que abordou os desafios enfrentados por organizações negras para acessar financiamento. Também foi discutida a responsabilidade dos financiadores em adotar estratégias que promovam uma justiça reparatória real.
Compromisso com mudanças estruturais
Durante a mesa, Vitor Hugo Neia trouxe uma perspectiva prática e crítica sobre o papel das fundações corporativas. Ele compartilhou um conjunto de mudanças estruturais implementadas na Fundação ao longo dos últimos anos, com destaque para a descentralização de investimento para territórios periféricos, o apoio a organizações de base comunitária lideradas por mulheres e pessoas negras e o foco no impacto social, não em processos burocráticos excludentes.
Um dos exemplos é o edital Juntos pela Mobilidade Social, que na edição de 2024 simplificou a documentação exigida e a prestação de contas financeira, priorizou organizações com menor receita e que contam com representantes de grupos minorizados nos quadros de liderança, e está apoiando as instituições interessadas na elaboração de projetos e na regularização de documentos, com foco naquelas que ainda enfrentam dificuldades para acessar editais.
“A desconcentração de poder só será real quando tivermos coragem de mudar a lógica de financiamento e colocar no centro as vozes e iniciativas que historicamente foram marginalizadas. Na Fundação Grupo Volkswagen, apostamos no potencial das comunidades e de seus protagonistas para gerar mudanças reais e sustentáveis, construindo soluções conjuntas, desburocratizando processos e priorizando, intencionalmente, organizações sociais de base comunitária lideradas por pessoas pertencentes a grupos minorizados”, afirmou Neia.
Do assistencialismo à construção de legado
Vitor enfatizou que a atuação da filantropia não pode criar relações de dependência, mas deve fortalecer as capacidades locais. “Se depois que sairmos do território as coisas não continuarem, é porque não houve a construção de um legado. A filantropia cria — ou deveria criar — condições para que as organizações dos territórios saiam fortalecidas. E aqui não falo apenas de competências básicas como gestão, comunicação e captação de recursos, por exemplo. A pergunta é: como ajudamos essas organizações a tirar seus projetos do papel, com sustentabilidade? O recurso importa, sim. A gente financia até itens como pagamento de contador, porque sabemos que muitas organizações de base não conseguem se manter formalizadas por falta de estrutura. Nosso sonho é que, quando a Fundação não for mais necessária naquele território, ele continue forte e autônomo.”
Essa fala expressa a importância de investirmos em modelos que rompam com a lógica de projetos pontuais, pensados sem a participação das comunidades e muitas vezes com viés assistencialista para uma filantropia comprometida com a criação de legado e o incentivo à autonomia territorial. Para isso, a Fundação atua com planos de desenvolvimento institucional até 2030, pelo menos, oferecendo apoio técnico e financeiro a organizações de base e incluindo as comunidades na construção de soluções que respeitem os saberes, potências e conhecimentos locais.
Apoio a grandes fundos e redes feministas
Durante sua fala, Neia também defendeu que as fundações invistam em fundos independentes, como o Fundo Brasil de Direitos Humanos, que conseguem chegar aonde as estruturas corporativas ainda não alcançam. Ele citou ainda o Fundo Agbara, como exemplo de articulação com redes lideradas por mulheres negras que operam com estratégias alinhadas à justiça racial e de gênero. Ambas as organizações são parceiras da Fundação Grupo Volkswagen.
Um novo olhar no setor
A fala de Vitor Hugo dialogou diretamente com reflexões feitas por outras lideranças presentes na mesa. A diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, Ligia Batista, apontou que, sem estratégia de longo prazo, não há impacto real. “Se não houver mudanças concretas, vamos continuar enxugando gelo”.
Já Marcio Black, diretor do Instituto Beja, destacou que ainda é raro ver pessoas negras em posições de liderança dentro das instituições financiadoras e que isso contribui para a exclusão de organizações negras do fluxo de recursos.
Essa realidade foi confirmada pelo estudo “Olhares do ISP”, divulgado no evento, que mostrou que os conselhos deliberativos das maiores fundações associadas ao GIFE ainda são majoritariamente ocupados por homens brancos. Segundo o Censo GIFE 2022-2023, dois terços desses cargos ainda não representam a diversidade racial e de gênero do país.
Mobilidade social como prioridade estratégica
A participação da Fundação no Congresso reforçou seu papel como referência no debate sobre mobilidade social, causa abraçada pela organização, norteando todos os investimentos, programas e projetos em territórios socialmente vulnerabilizados, principalmente nas regiões onde o Grupo Volkswagen mantém operações no Brasil.
A estratégia é sustentada por dois eixos de atuação: inclusão produtiva e fortalecimento das capacidades locais. Os projetos priorizam mulheres (cis e trans), jovens pretos e pardos de 15 a 29 anos e pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, com o objetivo de romper ciclos de exclusão e promover justiça social. As iniciativas incluem cursos de formação profissional, editais de fomento, apoio técnico e financeiro a organizações da sociedade civil com foco em desenvolvimento institucional, voluntariado e produção de conhecimento.
O contexto do Congresso
O Congresso deste ano, realizado fora de São Paulo após muitos anos, teve como palco a cidade de Fortaleza, no Ceará — estado que abriga uma rede crescente de investidores sociais privados e iniciativas transformadoras. A escolha da capital cearense reflete a potência do Nordeste na ampliação do ISP no Brasil.
Além dos debates, o evento teve como destaque cultural o show do cantor Chico César, que apresentou o espetáculo “Vestido de Amor” na Estação das Artes. Também contou com a presença da cineasta e ativista Abigail Disney, conhecida por doar parte significativa de sua fortuna a causas sociais e por sua atuação no enfrentamento à desigualdade de gênero e raça.
A Fundação foi uma das patrocinadoras do evento e levou parte do seu time para acompanhar os debates e trocar experiências com outras instituições do país.
Caminhos para o futuro
O 13º Congresso GIFE reforçou o compromisso do setor filantrópico com transformações efetivas. “Não se pode mais ignorar questões que demarcam as brutais desigualdades em nossa sociedade”, afirmou Cassio França, secretário-geral do GIFE.
A atuação da Fundação Grupo Volkswagen, como destacou Vitor Hugo Neia, é um exemplo de como a filantropia pode — e deve — ser um instrumento de justiça social, fortalecendo organizações de base, promovendo autonomia territorial e contribuindo com a equidade racial e de gênero.







