Além do Arco-Íris: quando a qualificação encontra a dignidade 

Projeto transforma vidas de pessoas LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade, promovendo autoestima, inclusão e acesso ao mercado de trabalho

Quando a travesti e transexual Bruna Copque concluiu sua participação no Projeto Além do Arco-Íris, algo dentro dela havia mudado para sempre. Após anos de dor, desvalorização e até mesmo uma destransição forçada por pressões religiosas, ela se reencontrou: “O projeto me trouxe de volta a mim. A Bruna nunca morreu. Eu me vejo no espelho hoje e me sinto viva de novo. Foi mais do que um curso. Foi afeto, convivência, autoestima e pertencimento.” 

Assim como Bruna, outras 35 pessoas LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade social encontraram no projeto uma chance real de recomeço. O curso foi realizado entre outubro e novembro de 2024 pela Associação Motirô, em Salvador (BA), com apoio da Fundação Grupo Volkswagen.  Mais do que capacitação técnica, o curso de qualificação em atendimento e serviços foi também cuidado, escuta e transformação. 

A iniciativa foi viabilizada por meio do edital Juntos pela Mobilidade Social 2024, reafirmando o compromisso da Fundação com a inclusão produtiva, social e a promoção da equidade nos territórios onde atua. 


Do acolhimento à empregabilidade 

Os alunos tiveram aulas de hospitalidade, atendimento ao cliente, turismo e técnicas de serviço em restaurantes. Eles ainda aprenderam sobre postura profissional, etiqueta, relacionamento com o público e organização de ambientes.  

Vários participantes conseguiram emprego ao final do curso e, hoje, trabalham em restaurantes ou na área do turismo, já que a capital baiana tem  

Para muitos, como Moisés, foi o primeiro curso da vida. “Hoje estou com a carteira assinada. O projeto abriu portas que antes eu nem enxergava. A gente aprende tudo: da abordagem ao cliente até como organizar os talheres na mesa. Isso mudou minha trajetória.” 
 
A transexual Ayana Macedo, que também participou da formação, celebrou: “Eu consegui botar em prática o que aprendi e me inserir no mercado. O curso foi incrível, mudou minha forma de atender, de falar, de me portar. Sou outra pessoa. Gratidão define.” 

A formação técnica veio acompanhada de ações fundamentais para garantir segurança e dignidade: apoio psicológico, cestas básicas, ajuda na regularização da documentação civil — com destaque para o direito ao nome e identidade de gênero — e até encaminhamentos para outros cursos em parceria com instituições amigas. 
 
Mais do que aprender, os participantes foram incentivados a sonhar — algo raro para quem convive com discriminação, abandono e exclusão. 

Atualmente, a transexual Maysa Pereira estuda para o vestibular de Ciências Sociais, algo impensável há alguns meses. Ela resume bem o sentimento coletivo. “Nos deram dignidade. Nos tiraram da margem. Me sinto outra pessoa. Hoje, minha autoestima é outra”, ressaltou. 

A transexual Daiana Galiza destaca o quanto o curso foi importante. “Infelizmente ainda somos julgadas pela aparência. Mas aprendi muito, coisas que nunca achei que fosse aprender. Agora sei me portar e estou mais confiante. Recomendo de olhos fechados. Precisamos de mais projetos como este.” 


Uma rede de apoio para além da sala de aula 

O projeto também promoveu o fortalecimento da autoestima e das relações. Muitos participantes mantêm contato em grupos nas redes sociais, trocando apoio emocional, informações e oportunidades de trabalho. A convivência tornou-se, para muitos, uma espécie de porto seguro. 

Os alunos que mais se destacaram se tornaram multiplicadores sociais, atuando durante o Carnaval em ações de saúde, cidadania e informação, em parceria com a prefeitura de Salvador. Além da renda, essa experiência ampliou o protagonismo das pessoas LGBTQIAPN+ em seus próprios territórios. 


Uma ponte para o futuro 

Para a coordenadora técnica da Associação Motirô, Jussara Ferrero, o projeto representa muito mais do que uma etapa de formação. “O Projeto Além do Arco-Íris mostrou que inclusão se faz com escuta, presença e oportunidade, e promoveu algo essencial: o vislumbre de novos horizontes e a esperança de um futuro em que todas as pessoas possam viver seus sonhos e com dignidade”, enfatizou. 

A história de Bruna, Maysa, Ayana, Moisés e tantos outros é a prova de que, quando há acolhimento, o arco-íris é o começo de um novo caminho. 


Sobre a Motirô 

A Associaçãos Motirô é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos com sede em Salvador (BA), voltada à promoção da cidadania, dos direitos humanos e da inclusão social, especialmente de populações em situação de vulnerabilidade.  

Com forte atuação junto à comunidade LGBTQIAPN+, a instituição desenvolve projetos que aliam qualificação profissional, escuta, cuidado psicossocial e fortalecimento de vínculos. Seu trabalho busca romper ciclos de exclusão social por meio da geração de oportunidades concretas, valorizando a diversidade e promovendo a dignidade.