No dia 6 de junho, a Fundação Grupo Volkswagen promoveu, em São Paulo, a 7ª edição da Jornada do Conhecimento, consolidando o evento como um espaço de diálogo e construção coletiva sobre mobilidade social, inclusão produtiva e fortalecimento dos territórios.
Com o tema “Fortalecimento das Capacidades Locais”, o encontro reuniu lideranças comunitárias, especialistas, organizações da sociedade civil e representantes do setor privado, num movimento que ultrapassa o debate e aposta na escuta como estratégia de transformação. Os debates foram mediados pela jornalista Flávia Oshima, e também transmitidos ao vivo pela internet.
Mesa 1 – Quando a transformação começa dentro do território
A primeira mesa da Jornada do Conhecimento 2025 deixou claro que as soluções mais eficazes para os problemas sociais costumam nascer onde os problemas acontecem: dentro dos próprios territórios. Quem vive a realidade é quem melhor entende como transformá-la. E esse foi o ponto de partida da conversa entre o diretor de Programas e Projetos do CIEDS, José Cláudio Barros, e o diretor executivo da Rede Comuá, Jonathas Azevedo.
José Cláudio começou lembrando que a transformação de um território passa, antes de tudo, pela escuta e pelo reconhecimento das pessoas que vivem ali.
“A gente precisa conhecer o lugar, saber quem são as pessoas, quais são suas histórias e potências. A mudança começa quando a gente entende que o saber está no território.”
Ele contou um exemplo do Rio de Janeiro, onde os próprios jovens da comunidade realizaram o mapeamento local. “Eles fizeram o diagnóstico e, com isso, se apropriaram dos dados para mudar o que precisava ser mudado. Isso empodera. Isso transforma.”
Jonathas reforçou esse ponto ao lembrar que os territórios precisam ser vistos como espaços de resistência e construção — e não apenas como lugares de carência.
“É preciso abandonar essa ideia de que a comunidade é só um lugar de problema. Ela é também espaço de luta, de história e de potência.”
A conversa também abordou as dificuldades enfrentadas pelas organizações da sociedade civil, que nascem da necessidade e resistem com pouco recurso. Muitas vezes, quem atua nessas organizações aprende na prática, fazendo o que precisa ser feito mesmo sem formação formal.
“Temos que romper com os nossos preconceitos e achar que o que a gente sabe é o melhor para o território. A comunidade sabe o que é melhor para ela. Elas fazem o que grandes instituições fazem, só que do jeito delas. E é justamente por isso que a gente precisa fortalecer essas organizações — porque elas ficam quando os financiadores e projetos vão embora”, disse José Cláudio.
Outra questão levantada foi a importância de conectar gerações. As lideranças comunitárias mais antigas acumulam sabedoria, mas precisam dialogar com a juventude que também quer fazer diferença.
“Isso tem que acontecer dentro das próprias organizações. O diálogo entre diferentes idades idade não deve ser motivo de divisão. E sim de troca. Essa integração tende a gerar inovação e progresso”, completou Jonathas.
Ambos também destacaram que a participação do poder público é fundamental. Criar conexões com os CRAS, escolas, centros culturais e outras estruturas locais ajuda a fortalecer as redes já existentes e evita esforços isolados. “Quando as pessoas se conhecem, os projetos acontecem”, enfatizou José Cláudio.
Por fim, eles chamaram atenção para a importância da colaboração entre todos os setores — especialmente num cenário de ataques à sociedade civil. “A saída é coletiva. A gente precisa se unir mais, trocar mais, confiar mais”, resumiu Jonathas.
Mesa 2 – Como fazer o recurso chegar a quem mais precisa
Na segunda mesa, o debate girou em torno de um tema direto e urgente: por que é tão difícil fazer o recurso chegar até quem realmente precisa? Para o cofundador da Simbi, Raphael Mayer, e a coordenadora de Programas do GIFE, Thaís Nascimento, a resposta passa por burocracia, desconfiança e distanciamento da realidade.
Raphael começou explicando que muitas empresas ainda veem o investimento social como um gasto opcional — e que, em tempos de crise, ele é o primeiro a ser cortado. Além disso, mesmo quando existe interesse em apoiar projetos sociais, o processo de escolha muitas vezes exclui quem está na ponta.
“Quase 90% das reprovações que a gente vê não têm a ver com problema de conduta, mas com burocracia. Falta apoio jurídico, contábil, técnico. E poucas empresas têm paciência ou estrutura para ajudar as organizações nisso.”
Ele também criticou a lógica que valoriza mais a forma do que o conteúdo.
“Já vi projeto bom ser descartado por erro de português. A pergunta é: isso é mais importante do que o impacto que ele gera?”
Já Thaís trouxe dados fortes:
“Apenas 3% dos recursos chegam à Amazônia. E lá existem centenas de organizações fazendo um trabalho incrível. Só que, muitas vezes, os editais não lembram delas e usam uma linguagem tão difícil que essas pessoas, mais simples, não entendem o que está escrito. Se a gente quer que o dinheiro chegue aonde precisa, tem que descomplicar”, alertou.
Thaís defendeu que as empresas pensem em editais mais justos, com regras claras desde o início — como, por exemplo, reservar uma parte do recurso para mulheres negras, para a região Nordeste, ou para organizações indígenas.
Raphael fez uma provocação importante sobre a confiança nas lideranças locais.
“Tem muita organização que sobrevive com cinco mil reais por mês, tirados do próprio bolso. Quem faz tudo isso vai roubar? É claro que não. Só falta confiança. Filantropia não é caridade. É parceria.”
Ele ainda lembrou que as empresas também precisam se preparar melhor internamente. Segundo Raphael, falta gente nas equipes com experiência em campo, que saiba conversar com os territórios. E, muitas vezes, quem tem essa experiência é contratado, treinado e depois perdido para o mercado. “Se a gente quer que mais recurso chegue na base, tem que preparar quem vai operar esse processo”, afirmou.
A importância do diálogo para transformar realidades
O diretor-geral da Fundação Grupo Volkswagen, Vitor Hugo Neia, celebrou o sucesso do evento, dizendo que a Jornada do Conhecimento cumpriu seu propósito ao colocar todos os atores do processo na mesa de discussão.
“É fundamental que todos nós — poder público, empresas, sociedade civil — nos esforcemos para entender as dificuldades uns dos outros. O diálogo entre quem formula, executa e vive as políticas sociais é o único caminho possível para alcançar soluções que funcionem na prática e respeitem os contextos de cada território”, disse.
Para Neia, conectar vozes e respeitar os saberes de cada setor é o primeiro passo para a criação de uma ampla rede em prol da mobilidade social.







Créditos das imagens: Caroline Ramos